domingo, 24 de outubro de 2010

(Des)Preocupações


Jogou todas as cartas fora, não queria mais se incomodar com lembranças.
Aquele gosto de vinho barato também foi deixado de lado, o paladar havia sido banhado com um toque de requinte.
Não queria mais andar pelos mesmos caminhos, muito menos encontrar as mesmas pessoas e fazer aquela pergunta tão banal: Tudo bem?
Ninguém quer saber se o outro está bem. Muito mais fácil então dizer um singelo "oi", além de não mostrar indiferença não esbanja falsa preocupação. Hipocresia é deixada de lado fazendo desse jeito.
Mudou seu guarda-roupa, agora não importa mais o que veste, mas sim se é confortável ou não.
Manda beijo para flores, abraça árvores, pode não ter muito sentido para quem vê, mas para quem faz é apenas um gesto nada rotineiro.
Mudar a rotina faz parte da vida de uma pessoa que resolve viver o hoje sem pensar burocraticamente no amanhã.
Não pergunte as horas, é uma maneira bem fácil de perder mais tempo ainda.
Preocupações já não tem mais lugar essa é uma outra maneira de perder tempo.
Todos os dias quer engolir o mundo como se nunca mais fosse saborear a aurora da manhã.
Foda-se a felicidade alheia, a única pessoa que merece ter a felicidade prestigiada é a própria pessoa.
Evita-se também o falso moralismo e julgamentos. Mas isso já é evitado quando mandamos o mundo se foder.
Dizer o que pensa é uma maneira deliciosa de tirar de si o peso do "achismo".
Abra a boca e feche os olhos, todos os sabores são bem vindos, até mesmo os amargos.
Rir, ridicularmente rir. Quando vemos alguém rindo demais achamos ridículo, mas como não liga para o que as outras pessoas falam, quer mais é ser ridículo.
Quer mais é ser ridículo, ser louco, ser despreocupado, ser solto, ser livre, ser ele sem nenhuma máscara, quer mais é ser feliz. Quer mais é andar por aí, chutando as pedras e balançando os braços, sem nenhum por quê e sem nenhum porem.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Recuperação.

Ele estava ali, quase morrendo. Ninguém acreditava que depois de meses em coma, ainda poderia reagir e dar sinais de que estava lutando para viver, mas estava.
No fundo do coração de quem acreditava, a lembrança dele vivo ainda passava como se estivesse vendo em tempo real.
Havia sido esquecido, mas não completamente, ainda doía lembrar que estava ali de cama, dentro de um lugar onde de vez em quando recebia visitas.
Há quem pense que foram essas visitas esporádicas que o fizeram manter seus sinais vitais.
Resolvi então parar de lembrar e visitar aquele que para mim, tinha sido tão importante.
Quando segurei em sua mão, vagarosamente e com toda a força que ainda lhe restava, apertou firme meu dedo, como se tivesse pedindo ajuda ou um pouco de vida.
Naquele momento, qualquer sinal mínimo de vida já era uma vitória, quando você se depara com algo em estado vegetativo, quer dá-lhe estímulos para reviver.
E foi o que eu fiz, dei-lhe esperanças para reviver.
Aos poucos foi recuperando o brilho e mostrando porque não havia entrado em óbito ainda, ele precisava de outras coisas para que isso acontecece, no fundo, fui eu mesma que não o deixei morrer.
Me passa pela cabeça a culpa por tê-lo deixado naquele estado, mas depois lembro que não tive tanta culpa assim, inúmeros motivos o levaram cair doente.
Mas naquele momento nada importava, queria mesmo era esquecer tudo de ruim, dar forças e motivos para ele continuar o esforço em querer sair do esquecimento.
Sinto medo de que quando ele volte a "estaca zero" tenha sofrido mudanças das quais eu não vou conseguir me adaptar, ou mesmo não ter espaço para mim nesse novo momento.
Porém deixá-lo a ponto de morrer não é o correto a fazer, visto que todas as vezes a angústia de saber que ainda estava ali me dava saudade de tê-lo por perto.
Hoje eu posso dizer que ainda falta muito para que sua saúde e vigor voltem a ser o mesmo.
Ele segue com passos de criança que ainda não sabe firmar os pés no chão, precisa de muito apoio e assim como uma planta, necessita de muito adubo e cuidados para manter-se vivo.
Minha parte estou fazendo, acreditando mais uma vez que ele pode me fazer feliz.
Posso dizer que ele está vivo, recuperando-se dos machucados e com todo meu apreço.
O amor está de volta depois de quase falecer, caminhando com passos de esperança.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

A flor.

Quando a mãe e a família souberam que iria vir ao mundo uma menina, nada mais típico do que comprar tudo rosa e esperar noite e dia para ver o rosto daquela que seria a princesa da família por um bom tempo.
Tudo seguiu seu rumo, a bebêzinha cresceu e virou uma menina, toda enfeitada, rodeada de bonecas, brinquedos que traziam o mundo adulto em miniatura, laços, vestidos rosas, flores...tudo aquilo que é sugerido ao universo infantil feminino.
Mas ela não era uma menina muito padrão. Quando a mãe viu que não adiantava colocar saias, vestidos e "frufrus", deixou ser como a filha queria.
As bermurdas tomaram o lugar das saias, as camisetas largas tomaram o lugar das blusas com rendas e o cabelo demoraria a ficar solto, a menina que foi criada tão tipicamente queria era mais brincar e andar como um menino!
Subia em árvores, tirava a roupa para nadar no rio, desafiava os meninos no jogo de bolinhas de gude, ganhava as partidas de tazzo e aos poucos foi se desapegando do universo feminino. Se sentia mal quando ia pular corda e via que era a mais descordenada da turma. Resolveu que ia jogar futebol, pular muros, comer frutas em cima da árvore, nisso sim ela era boa!
Mas seu corpo obedeceu a natureza e começou a tomar formas de mulher. Ela foi a primeira a desenvolver seios, mas estavam tão escondidos embaixo da camiseta larga, que ninguém, além de sua mãe e sua avó, havia notado a existência deles. Sua avó insistia que tinha que usar sutiã, mas a menina moleca queria mais era saber de soltar pipa. Enquanto as outras queriam saber de dar o primeiro beijo.
Mas não demorou para alcançar a adolescência e sua feminilidade aflorar, via-se nitidamente que embaixo daquela marra toda estava por vir uma mulher linda.
Mudou de colégio, saiu da bagunça da escola pública e "caiu de gaiato" em uma escola particular.
No começo ainda era nítida a diferença entra a menina desajeitada e as outras, o uniforme era o mesmo bermuda azul e blusa branca, que ela adorava, diga-se de passagem, pois ela podia usar o bermudão e blusa larga que tanto gostava, mas enquanto as outras meninas prendiam os cabelos com lacinhos rosas, tênis coloridos, cadernos de bichinhos, a nossa menina quase mulher ainda queria tudo do mais básico e tênis preto.
Mas o tempo passou e a menina foi tomando mais formas de mulher ainda, sua beleza já era difícil de esconder, suas roupas, começaram a não ser tão largas, nem tão azuis, seus cabelos começaram a ser presos de maneira diferente, os perfumes foram ganhando espaço, as maquiagens e consequentemente, o interesse dos meninos começou a ganhar espaço na vida daquela que estava finalmente virando uma bela mulher.
E o botão de rosa abriu, exalando seu perfume, sua graça e suas qualidades.
A menina que antes tinha interesse em apenas coisas que não pertenciam ao seu universo, passou a querer invadir o universo que desde antes de nascer lhe esperava.
O espelho já não era apenas o seu reflexo sem graça, ele virou seu aliado e refletia o quão mulher ela havia tornado-se.
Então como era esperado, o que estava dormindo despertou.
Como uma mulher apaixonou-se e desde então esqueceu como era ser um menino, a não ser pelo lado brincalhão que nunca deixou de ser seu ponto forte.
Ainda tenta lembrar como era a época "masculina" para entender o que passa na cabeça dos homens, mas já não quer ser um.
Hoje ela é uma mulher em todos os sentidos e com sua feminilidade flori os cantos que passa e vive tua vida com o toque sutil que só uma flor possui, mas nunca esquecendo que sua alma de menino dá base para continuar a ser uma eterna criança.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Apenas mais um dia de chuva.

Ela queria apenas se enfiar no meio de seus braços e sentir todo aquele fogo que insiste em queimar.
Pensar não é mais suficiente, ela quer fazer o encontro dos dois universos tão distantes, quer torná-los um só.
A menina que antes se contentava em palavras e promessas de amor agora quer pele, quer gosto. Não há nada mais superficial que palavras, não há nada mais concreto que corpo.
A mulher que surge insiste em querer o que não pode ter, insiste em querer ser a única mulher capaz de tirar o centro do desejo alheio.
Desejos aqueles tão palpáveis quanto nuvens. Não importa! Ela os quer porque para ela o céu é apenas o início, não o limite.
Prender essa mulher seria como cortar as asas de um pássaro, seria cometer um pecado dos mais condenáveis.
Deixe-a alcançar o infinito, que se tornará finito no cheiro daquela nuca.
Não importa quantas vezes mais ela terá esse cheiro, e se terá, ela apenas quer recordar o porque desejava tanto.
E as sensações comparadas a recordação daquele cheiro, são apenas pingos de orvalho, ela nem liga, quer mais é que chova para lavar a alma.
A chuva lembra as tardes na rede, em que não tinham nada para fazer e ficavam ouvindo a música da chuva caindo na piscina.
Mas dane-se o passado, o presente, o futuro, a menina que era tão sonhadora, que ansiava todas as coisas do mundo agora só quer uma, apenas mais um dia e não é qualquer dia, ela quer um dia para saber se todos os outros dias ela vai querer sentir-se igual. Não importa o que aconteça, ela apenas quer saber o que vai sentir, o quão diferente, ou igual, vai ser o sentimento. Como ela será, se voltará a ser a menina ansiosa ou apenas uma mulher sem ambições.
Enquanto o dia não chega, ela volta a querer o fogo, que pode não arder tanto quanto ela imagina e que causará mais marcas, além das que já possui.